Recebí este e-mail, achei interessante divulgar. Leiam...
Lembram-se daquele Juiz de Niterói que entrou na Justiça contra o
condomínio em que mora, por causa do tratamento de 'você' dado pelo
porteiro?
Pois é, saiu à sentença.
Observe a bela redação, sucinta, bem argumentada, até se solidariza
com o juiz que se queixa, mas...
Bom, leiam a sentença abaixo.
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO COMARCA DE NITERÓI - NONA
VARA CÍVEL - Processo n° 2005.002.003424-4
S E N T E N Ç A
Cuidam-se os autos de ação de obrigação de fazer manejada por ANTONIO
MARREIROS DA SILVA MELO NETO contra o CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO LUÍZA
VILLAGE e JEANETTE GRANATO, alegando o autor fatos precedentes
ocorridos no interior do prédio que o levaram a pedir que fosse
tratado formalmente de 'senhor'.
Disse o requerente que sofreu danos, e que esperava a procedência do
pedido inicial para dar a ele autor e suas visitas o tratamento de
'Doutor', 'senhor' 'Doutora', 'senhora', sob pena de multa diária a ser
fixada judicialmente, bem como requereu a condenação dos réus em dano
moral não inferior a 100 salários mínimos.. (...)
DECIDO. 'O problema do fundamento de um direito apresenta-se
diferentemente conforme se trate de buscar o fundamento de um direito
que se tem ou de um direito que se gostaria de ter.' (Noberto Bobbio,
in 'A Era dos Direitos', Editora Campus, pg. 15).
Trata-se o autor de Juiz digno, merecendo todo o respeito deste
sentenciante e de todas as demais pessoas da sociedade, não se
justificando tamanha publicidade que tomou este processo. Agiu o
requerente como jurisdicionado, na crença de seu direito. Plausível
sua conduta, na medida em que atribuiu ao Estado a solução do
conflito.
Não deseja o ilustre Juiz tola bajulice, nem esta ação pode ter
conotação de incompreensível futilidade.
O cerne do inconformismo é de cunho eminentemente subjetivo, e ninguém,
a não ser o próprio autor, sente tal dor, e este sentenciante bem
compreende o que tanto incomoda o probo Requerente.
Está claro que não quer, nem nunca quis o autor, impor medo de
autoridade, ou que lhe dediquem cumprimento laudatório, posto que é
homem de notada grandeza e virtude. Entretanto, entendo que não lhe
assiste razão jurídica na pretensão deduzida.
'Doutor' não é forma de tratamento, e sim título acadêmico utilizado
apenas quando se apresenta tese a uma banca e esta a julga merecedora
de um doutoramento. Emprega-se apenas às pessoas que tenham tal grau,
e mesmo assim no meio universitário. Constitui-se mera tradição
referir-se a outras pessoas de 'doutor', sem o ser, e fora do meio
acadêmico.
Daí a expressão doutor honoris causa - para a honra -, que se trata de
título conferido por uma universidade à guisa de homenagem a
determinada pessoa, sem submetê-la a exame.
Por outro lado, vale lembrar que 'professor' e 'mestre' são títulos
exclusivos dos que se dedicam ao magistério, após concluído o curso de
mestrado. Embora a expressão 'senhor' confira a desejada formalidade
às comunicações - não é pronome -, e possa até o autor aspirar
distanciamento em relação a qualquer pessoa, afastando intimidades,
não existe regra legal que imponha obrigação ao empregado do
condomínio a ele assim se referir.
O empregado que se refere ao autor por 'você', pode estar sendo
cortês, posto que 'você' não é pronome depreciativo. Isso é
formalidade, decorrente do estilo de fala, sem quebra de hierarquia ou
incidência de insubordinação. Fala-se segundo sua classe social.
O brasileiro tem tendência na variedade coloquial relaxada, em
especial a classe 'semi-culta', que sequer se importa com isso.
Na verdade 'você' é variante - contração da alocução - do tratamento
respeitoso 'Vossa Mercê'. A professora de linguística Eliana Pitombo
Teixeira ensina que os textos literários que apresentam altas
frequências do pronome 'você', devem ser classificados como formais.
Em qualquer lugar desse país, é usual as pessoas serem chamadas de
'seu' ou 'dona', e isso é tratamento formal.
Em recente pesquisa universitária, constatou-se que o simples uso do
nome da pessoa substitui o senhor/ a senhora e você quando usados como
prenome, isso porque soa como pejorativo tratamento diferente. Na
edição promovida por Jorge Amado 'Crônica de Viver Baiano
Seiscentista', nos poemas de Gregório de Matos, destacou o escritor
que Miércio Táti anotara que 'você' é tratamento cerimonioso. (Rio de
Janeiro/São Paulo, Record, 1999).
Urge ressaltar que tratamento cerimonioso é reservado a círculos
fechados da diplomacia, clero, governo, judiciário e meio acadêmico,
como já se disse. A própria Presidência da República fez publicar
Manual de Redação instituindo o protocolo interno entre os demais Poderes.
Mas na relação social não há ritual litúrgico a ser obedecido. Por isso
que se diz que a alternância de 'você' e 'senhor' traduz-se numa
questão sociolinguística, de difícil equação num país como o Brasil de várias
influências regionais.
Ao Judiciário não compete decidir sobre a relação de educação,
etiqueta, cortesia ou coisas do gênero, a ser estabelecida entre o
empregado do condomínio e o condômino, posto que isso é tema interna
corpore daquela própria comunidade.
Isto posto, por estar convicto de que inexiste direito a ser
agasalhado, mesmo que lamentando o incômodo pessoal experimentado pelo
ilustre autor, julgo improcedente o pedido inicial, condenando o
postulante no pagamento de custas e honorários de 10% sobre o valor da
causa. P.R.I. Niterói, 2 de maio de 2005.
ALEXANDRE EDUARDO SCISINIO
Juiz de Direito
Não é que, neste País ainda existem juristas honrados e cultos!
Nem tudo esta perdido... Aleluia!!!!!!
Nenhum comentário:
Postar um comentário