Um Sertão seco e humilhado morre de sede, enquanto suas estradas são cortadas pelo maior e mais caro projeto hídrico do Nordeste. A incompleta transposição das águas do Rio São Francisco põe à prova a fé do sertanejo. Sem perspectiva de ver os bilhões investidos na obra trazendo algum verde para a sua lavoura, só sobra ao agricultor a velha esmola do governo. A reportagem percorreu mais de dois mil quilômetros, semiárido adentro, para ver e ouvir reiteradas histórias de perdas. Hoje e amanhã, o JC publica o resultado dessas andanças na região castigada pela mais dura estiagem dos últimos 40 anos. As notícias de morte espantam a esperança no Sertão de Pernambuco. Onde se chega, o cheiro de miséria espalha-se pela terra esturricada. Vive-se de contar bicho morto, chorar o feijão perdido, esperar por uma água que não vem. No quintal do agricultor Cláudio José da Silva, 36 anos, a humilhação é maior. A vaca esquálida, de tão fraca, desistiu de comer. Bicho e homem não precisavam passar por isso. A poucos quilômetros dali, a bilionária obra da transposição do Rio São Francisco vende a promessa de um Sertão altivo, produtivo, com o qual Cláudio já cansou de sonhar. “A obra tá parada. Esse ano tá perdido de tudo. A gente veio para cá porque disseram que a transposição ia começar por aqui. Até agora, não serviu de nada”, lamenta o homem, enquanto ajeita a corda que segura o pescoço do bicho caído. Um derradeiro esforço para evitar que a morte chegue mais rápido. Cláudio espia o futuro enfiado no atraso. O Assentamento Curralinho do Angico, a comunidade onde mora, na zona rural de Floresta, município no Sertão do São Francisco, fica próximo à Barragem de Areias, a primeira a ser inundada pelas águas do Velho Chico. O caminho para o assentamento margeia o extenso canal de concreto que permitirá o milagre da transposição. A grandiosidade da obra incompleta mais oprime que conforta. “Tanto dinheiro gasto e a gente aqui morrendo de sede”, revolta-se o agricultor. Todos os açudes da região estão secos. Os que ainda carregam uma laminha são uma armadilha fatal para os bichos. Atrás do fio de água, os animais ficam atolados no lamaçal e viram comida para os urubus.No dia em que a equipe do JC visitou o assentamento, chegou com a notícia de mais uma baixa. “Um cavalo foi achado morto no açude de lá, hoje de manhã”, avisa, ainda no Centro da cidade, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Floresta, Elias Eugênio da Silva. Encontramos o bicho com o corpo coberto de lama e cercado de urubus. “Deve ter morrido há pouco tempo mesmo”, confirma o sindicalista. Em torno do açude quase seco, as aves pretas faziam nova vigília, à espera de mais uma presa. A fome e a sede dizimaram o rebanho. “Floresta possuía cerca de 250 mil caprinos e ovinos. Com os dois anos de estiagem, esse número foi reduzido à metade”, contabiliza o presidente do sindicato.
Fonte: Jornal do Comércio
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